Você pode salvar vidas

Você pode salvar vidas

Poucas coisas revelam tanto a singularidade humana quanto o suicídio. Seres de qualquer outro reino da biologia são incapazes de cogitar a possibilidade de abreviar a própria vida. A luta pela sobrevivência, inclusive, é o comportamento esperado na natureza. O homem, porém, há muito tempo se distanciou das determinações do instinto.

Ao entrar no universo da linguagem e ampliar a consciência simbólica, um passo evolutivo extraordinário, o ser humano deu de cara, também, com a própria finitude: imenso privilégio e um risco. Privilégio porque a vida ganha valor quando percebida como rara e limitada. Risco porque, em situações extremas, a morte pode soar como solução quando a dor de existir aparece e se torna insuportável.

Ainda que a questão ética sobre a liberdade de escolha individual possa ser considerada, é preciso antes pôr em cena uma tese fundamental:

A prevenção do suicídio é possível!

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já mostrou que existem caminhos para evitar que pessoas em profundo sofrimento mental atentem contra a própria vida. E a boa notícia é que todos nós podemos contribuir com essa luta.

O mundo corporativo, inclusive, é um espaço privilegiado para a difusão de boas informações e práticas de prevenção. Milhares de pessoas circulam diariamente pelas empresas onde, além de executar suas atividades profissionais, têm a oportunidade de se relacionar, de trocar ideias e compartilhar experiências. A convivência cotidiana permite conhecer melhor as pessoas e, assim, identificar sinais de quando algo não vai bem. E se a questão envolve saúde mental e prevenção ao suicídio, essa interação pode ser decisiva para a preservação de vidas.

NÚMEROS QUE PREOCUPAM

Estatísticas relacionadas a casos de suicídio são pouco difundidas. É assim por recomendação da OMS, pois há evidências do efeito nocivo da divulgação inadequada desses dados. Mas em um conteúdo informativo como este, voltado a quem faz gestão, lidera ou cuida de pessoas, os números ajudam a dar a dimensão do problema e, quem sabe, a promover maior engajamento na causa da prevenção.

Cerca de 700 mil pessoas tiram a própria vida a cada ano em todo o mundo. No Brasil, são 14 mil, quase 40 por dia.

Os dados são de 2019, os mais recentes colhidos pela OMS e indicam que o suicídio é maior causa de morte do que doenças como HIV, malária e câncer de mama ou mesmo do que guerras e homicídios.

Embora os índices estejam em queda na maior parte do mundo, essa não é a realidade nos países das Américas. Um estudo publicado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) apontou que de cada 100 brasileiros 17 já pensaram em suicídio, cinco chegaram a planejar o ato, três tentaram e um chegou a ser atendido em pronto-socorro depois da tentativa.

O QUE LEVA AO SUICÍDIO?

As causas que fazem uma pessoa desistir da vida são distintas, mas já se sabe que quase 100% dos casos têm alguma relação com transtornos mentais. Depois dos transtornos de humor (depressão e transtorno bipolar), doenças relacionadas ao uso de álcool e outras substâncias são a maior causa de mortes por suicídio.

Considerando que transtornos mentais têm tratamento, é possível reduzir drasticamente o número de pessoas que chegam ao ato extremo. Ou seja, investir na prevenção passa, primeiro, pela difusão de boas informações, depois, pelo devido acompanhamento e tratamento de quem está em sofrimento psíquico.

É por essa e outras razões que mitos e preconceitos em relação à saúde mental e a tratamentos psiquiátricos e psicológicos precisam ser urgentemente superados. Quanto mais cedo as pessoas buscarem ajuda, mais chances têm de recuperação.

No caso das empresas, estimular o cuidado com a saúde mental é fator decisivo não só na prevenção do suicídio, mas até mesmo para minimizar prejuízos com presenteísmo, absenteísmo e outras formas de perda ou redução da capacidade de trabalho dos colaboradores devido a transtornos mentais.

SAIBA IDENTIFICAR QUANDO ALGUÉM PRECISA DE AJUDA

Conhecer fatores de risco relacionados ao comportamento suicida é fundamental para que se possam tomar medidas preventivas. De acordo com a cartilha “Como ajudar?”, da ABP e CFM, alguns sinais servem de alerta:

  • Diagnóstico de transtorno psiquiátrico
  • Tentativa prévia de suicídio
  • Histórico familiar de comportamento suicida
  • Presença de outros comportamentos de auto-lesão
  • Abuso e dependência de álcool e outras drogas
  • Abuso sexual na infância
  • Comportamento impulsivo

Convém, ainda, prestar atenção ao que fala uma pessoa sob risco. Comentários sutis, às vezes, escondem pedidos de ajuda ou a intenção de cometer o ato. “Ninguém vai sentir minha falta”, “gostaria de sumir”, “não aguento mais viver”, “nada mais tem sentido” são exemplos de comentários que merecem ser observados, pois podem representar ideação suicida.

COMO AJUDAR

Pode parecer difícil prestar auxílio em situações tão delicadas. Mas alguns gestos simples, palavras ou ações, são decisivos para salvar uma vida. Reproduzo, outra vez, orientações cartilha da ABP e CFM:

Em uma conversa:

  • Ouça com atenção o que a pessoa está sentindo;
  • Não julgue, não tenha preconceito;
  • Não dê conselhos: “você precisa sair mais de casa”, “você precisa esquecer isso…”;
  • Demonstre que é alguém de confiança;
  • Não faça comparações;
  • Não mude de assunto, nem faça comentários do tipo: “anima-te”, “vai correr tudo bem”;
  • Não ria ou faça piadas;
  • Não hesite em questionar aberta e diretamente a ideia de suicídio: “você pensa em morrer?”

Assim como a escuta ativa, orientada para o cuidado, ações também salvam vidas:

  • Se possível, acompanhe a pessoa ao psiquiatra ou psicólogo. Esses profissionais geralmente têm a opção de atendimento online;
  • Encaminhe ao serviço médico e peça ajuda a um profissional de saúde;
  • Não deixe a pessoa sozinha; portas não devem ser trancadas;
  • Não deixe a pessoa próxima de meios letais, isso reduz o risco imediato;
  • Acredite em ameaças.

E nas situações de risco eminente, é necessário chamar ajuda especializada. Tentativa de suicídio é considerada emergência médica. Nesse caso, ligue 192 – SAMU.

PREVENÇÃO NAS EMPRESAS

O ambiente organizacional é um excelente espaço para a difusão de informações úteis, já que um bom trabalho de comunicação interna é capaz de alcançar com efetividade muitos colaboradores que, depois, podem replicar as orientações em seus círculos familiares e de amigos.

Em ações e campanhas internas de prevenção ao suicídio, as recomendações de como identificar e ajudar pessoas em risco, como as mencionadas anteriormente, podem e devem ser amplamente difundidas, seja em palestras, treinamentos ou materiais informativos diversos.

Alguns cuidados, no entanto, precisam ser tomados principalmente em banners, cartazes ou publicações de textos em meios físico ou digital. Nesses casos, as orientações são semelhantes às repassadas pela OMS à imprensa:

  • Não use títulos apelativos ou sensacionalistas e evite neles a palavra “suicídio”. Deixe-a para o corpo do texto, se necessário.
  • Chame a atenção ao tema pelo aspecto positivo: “Juntos pela prevenção”; “Você pode salvar vidas”; “Unidos pela vida”, por exemplo;
  • Evite dar destaque a dados sobre suicídio, especialmente àqueles que remetem a gênero, idade, classe social, etc., para que as pessoas não se “encaixem” como potenciais suicidas;
  • Locais frequentes e métodos utilizados para pôr fim à vida nunca devem ser divulgados;
  • Não se deve mostrar o suicídio como forma de lidar com problemas pessoais, como abusos, separações e perdas difíceis, crises em geral.
  • Enfatize saídas e tratamentos possíveis para esse momento crítico, casos de cura, etc.;
  • Sempre informe como e onde buscar ajuda: instituições, profissionais, endereços, telefones…
  • Estimule incansavelmente o cuidado com a saúde mental.

SETEMBRO AMARELO

Para ampliar a rede de proteção e a divulgação de informações sobre prevenção, o Brasil aderiu em 2014 à campanha internacional Setembro Amarelo, considerada hoje o maior movimento antiestigma do mundo. A campanha começou no país com uma parceria entre a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina, mas hoje conta com apoio de uma série de outras organizações públicas e privadas, de profissionais de saúde e de voluntários ligados à causa.

Em 2023, a campanha Setembro Amarelo traz o tema “Se precisar, peça ajuda”, reforçando a ideia de que existem alternativas para as pessoas que perderam a esperança na vida e que sempre é possível contar com algum apoio nesse momento difícil.

Está claro que o tema do suicídio não pode mais ser um tabu. Como problema de saúde pública, precisa envolver toda a sociedade. Abordado de maneira correta, não há riscos. Ao contrário, é a chance de devolver alguma perspectiva de vida a quem já não é capaz de enxergá-la. Essa luta é coletiva. Salvar vidas depende de cada um de nós.

*Fábio Cadorin (@fabiocadorin) é psicólogo, jornalista, doutor em Ciências da Linguagem, professor e palestrante.

www.fabiocadorin.com

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Setembro amarelo: mês de prevenção ao suicídio. Disponível em <https://www.setembroamarelo.com/ > Acesso em 22 ago. 2023.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA; CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Cartilha de prevenção ao suicídio: como ajudar? Disponível em <https://www.setembroamarelo.com/_files/ugd/26b667_bbd2f17ac08042e585c331b7933e1ae2.pdf> Acesso em 22 ago. 2023.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Suicídio: informando para prevenir. Brasília, 2014. Disponível em <http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index9/?numero=14> Acesso em 22 ago. 2023.

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